O Darwinismo no Gerenciamento de Projetos: a originalidade da cópia

8 de outubro de 2024

O Darwinismo no Gerenciamento de Projetos: A originalidade da cópia.

A necessidade de maior eficiência e eficácia em suas iniciativas tem levado as organizações públicas e privadas a buscar a utilização de melhores processos para o gerenciamento de seus projetos. Este artigo pretende alertar os profissionais dessas instituições para que, antes de aplicarem uma prática proposta por alguma fonte de conhecimento, analisem se realmente ela é aderente às necessidades de cada projeto.

Introdução

Vivemos em um mercado cada vez mais globalizado e competitivo, que tem levado as organizações a viverem em permanente estado de mudança. Isso nos faz lembrar um pensamento de Heráclito de Éfeso[1]: “A única coisa permanente é a mudança”.

Para melhor lidar com as mudanças temos presenciado, inclusive no Brasil, a valorização do gerenciamento de projetos. Com essa valorização, as organizações têm canalizado recursos para o desenvolvimento de habilidades nessa área. Essas habilidades estão associadas à utilização de “práticas”.

Quanto maior a conscientização e utilização dessas práticas, maior é a maturidade[2] da organização em gerenciamento de projetos. Porém, algumas perguntas se fazem necessárias.

Quem dita essas práticas em gerenciamento de projetos? Devemos simplesmente copiar o que é ensinado em sala de aula e / ou tem sido publicado em livros, revistas e artigos?

Este artigo pretende alertar os profissionais de gerenciamento de projetos para que, antes de aplicarem uma prática proposta pela comunidade de gerenciamento de projetos, analisem se realmente ela é aderente às necessidades de seu projeto.

O Darwinismo

"It's not the strongest of the species that survives, nor the most intelligent; it is the one that is most adaptable to change."

Charles Darwin

 

É comum durante cursos e consultorias, alunos e clientes me questionarem acerca do perfil ideal de um profissional de gerenciamento de projetos. Será que é aquele que fez um mestrado ou MBA nessa área? Aquele que é certificado Project Management Professional (PMP)[3] ou em alguma metodologia ágil? Ou aquele que tem muitos anos de experiência em projetos? Ou ainda, até mesmo aquele com uma combinação das características acima?

Eu costumo responder, parafraseando Charles Darwin[4], que não são os mais fortes, em conhecimento e experiência, que sobrevivem no mercado, mas aqueles com maior capacidade de adaptar esse conhecimento e experiência às necessidades de cada projeto.

Esta minha opinião é fruto da observação do desempenho de profissionais de gerenciamento de projetos, durante consultorias que venho prestando em vários segmentos do mercado.

 

A capacidade de adaptação à mudanças

A capacidade de adaptação à mudança é uma das qualidades mais valorizadas pelas empresas em processos de seleção de gerentes executivos. Essa capacidade, na área de projetos, significa não somente a de mudança de empresa e/ou de cargo, mas também a mudança de tipo e porte de projetos, em que o profissional deve adaptar o seu estilo gerencial e a aplicabilidade dos conceitos, além das experiências vividas a cada ambiente; Faz-se ainda necessário ter uma atenção especial aos diversos stakeholders (pessoas e organizações, como clientes, equipe, patrocinadores, organizações executoras e usuários, que estejam ativamente envolvidas no projeto ou cujos interesses possam ser afetados de forma positiva ou negativa pela execução ou término do mesmo).

 

O Darwinismo no Gerenciamento de Projetos 

Voltando ao Charles Darwin, em seu livro de 1859, "A Origem das Espécies" (do original, em inglês, On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life), ele introduziu a idéia de evolução a partir de um ancestral comum, por meio da seleção natural.

O termo Darwinismo tem sido utilizado como referência a todas as teorias propostas por Charles Darwin, que foram nomeadas posteriormente de: Seleção Natural e Teoria da Evolução. Estas teorias são utilizadas em diferentes ramos científicos.

Nos quadros abaixo traçamos um paralelo entre as principais características do processo darwinista e a atuação do profissional de gerenciamento de projetos.

 

  1. a) Reprodução
TEORIA DARWINISTA DARWINISMO NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS
Os agentes devem ser capazes de produzir cópias de si próprios e essas cópias devem ter igualmente a capacidade de se reproduzirem. Uma das características de um líder, segundo James C. Hunter[5] é que ele cria líderes. Desta forma, é papel do gerente de projeto produzir profissionais capazes de gerenciar a parcela do projeto que estão alocados e, até mesmo, outros projetos. Esta reprodução é feita através de exemplos comportamentais e da transferência de conhecimentos e experiências.
  1. b) Hereditariedade
TEORIA DARWINISTA DARWINISMO NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS
As cópias devem herdar as características dos originais. "As idéias que defendo não são minhas. Eu as tomei emprestadas de Sócrates, roubei-as de Chesterfield, furtei-as de Jesus. E se você não gostar das idéias deles, quais seriam as idéias que você usaria?" - Dale Carnegie[6]

Os profissionais de gerenciamento de projetos devem absorver os ensinamentos de seus gerentes, as lições apreendidas de projetos anteriores e os conceitos divulgados em cursos e publicações.

  1. c) Seleção Natural
TEORIA DARWINISTA DARWINISMO NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS
Os indivíduos são selecionados pelo ambiente. A seleção natural destrói, e não cria. Quando uma espécie se encontra em um meio favorável, o número de indivíduos daquela espécie aumentará até o limite de capacidade daquele ambiente. O entendimento do ambiente em que o profissional se encontra é fator fundamental para a aplicação de seus conhecimentos em gerenciamento de projetos. Por exemplo, se trabalha em uma organização sem fins lucrativos, não deve utilizar o conceito de “cliente”, mas sim de “comunidade” ou “investidor social”, dependendo do caso.  Se a empresa em que trabalha é resistente ao uso de práticas de gerenciamento de projetos e você não tem força política para mudar essa situação, procure outro lugar para trabalhar.

Quando você não se adapta ao meio, naturalmente você será excluído do mesmo.

  1. d) Variação
TEORIA DARWINISTA DARWINISMO NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS
Ocasionalmente, as cópias têm que ser imperfeitas (diversidade no interior da população). No próximo tópico discutiremos a importância das variações na utilização adaptada de conhecimentos e experiências (lições aprendidas, por exemplo), o que denominaremos “A originalidade da cópia”.

A Originalidade da Cópia

“Você precisa ser a mudança que deseja ver” Mahatma Gandhi [7]

A primeira vez que eu li a expressão “A originalidade da cópia“ foi em um artigo do ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso[8] quando eu cursava a Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Estado do Rio de Janeiro. Achei muito interessante a ideia de que podemos ser originais / inovadores mesmo quando estamos copiando um modelo estrangeiro. Sem dúvida que FHC estava se referindo aos modelos socioeconômicos, mas essa ideia eu considero válida para qualquer tipo de modelo. Certa vez, o próprio FHC [9] disse: "Por trás de Niemeyer, está Le Corbusier; e o estilo barroco do Estado de Minas Gerais (Brasil) é uma adaptação dos moldes europeus vindos de Portugal".

 

O Project Management Institute

O PMI – Project Management Institute – é a organização líder em gerenciamento de projetos em todo o mundo. Criada nos Estados Unidos (Pensilvânia) em 1969, ela é uma instituição sem fins lucrativos, dedicada ao avanço do estado da arte em gerenciamento de projetos, e seu principal compromisso é “promover o profissionalismo e a ética em gestão de projetos”. O PMI está representado no Brasil por seções regionais (chapters) em vários estados.

Uma das grandes contribuições do PMI, para a divulgação das boas práticas de gerenciamento de projetos, tem sido a publicação de um documento denominado “A Guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK®)”. Publicado pela primeira vez em 1987, se encontra atualmente na 7ª edição (lançada em 2021)”.

 

“Copiando” o Guia PMBOK®[10]

Algumas vezes eu vejo alguém dizer ou escrever que usa a “Metodologia do PMI” ou a “Metodologia do PMBOK®”. Uma metodologia deve conter as etapas a seguir num determinado processo. Na realidade, o PMI ou até mesmo o Guia PMBOK® não apresentam uma metodologia. O Guia aborda somente “o que” é necessário para o gerenciamento de projetos, sem entrar no mérito de “como” esses processos deveriam ser realizados e em que sequência.

Uma metodologia é, portanto, uma adaptação de práticas à realidade dos projetos de uma organização. Essa adaptação deve ser criteriosa de forma a que, em uma análise de custo-benefício, compense o esforço de gerenciamento em relação aos correspondentes resultados esperados.

Como na nossa organização nos deparamos com uma diversidade de tipos e portes de projetos, não podemos exigir que todos os projetos executem os mesmos processos e gerem os mesmos documentos. Assim sendo, devemos categorizar os projetos de forma a associá-los à metodologia desenvolvida. A figura abaixo é uma orientação para o enquadramento de projetos, podendo, no entanto, serem utilizados também outros critérios como importância estratégica, transversalidade, complexidade tecnológica etc.

Devemos em seguida associar as categorias de projetos aos documentos da metodologia. A tabela abaixo apresenta um exemplo dessa associação. Vale a pena ressaltar que uma ou mais categorias podem até serem dispensadas de seguir a metodologia, ficando a cargo do gerente do projeto decidir que instrumentos utilizar no gerenciamento, como exemplificado na categoria 6 da tabela.

Além das práticas propostas pelo PMI, outras devem ser “copiadas”, principalmente aquelas que tenham como intuito a adaptação para as peculiaridades do ambiente de cada projeto, com atenção especial às lições aprendidas de projetos anteriores.

Conclusão

Vimos neste artigo que o gerenciamento de projetos é uma área de conhecimento que tem sido demandada cada vez com mais intensidade nos últimos anos.

  • A atualização constante, através da participação em cursos e da leitura de livros e artigos, é fator crítico para aqueles que pretendem ter sucesso nessa área.
  • Não basta frequentar bancos escolares, ler diversos materiais sobre o assunto, ter vários anos de experiência, se o profissional não possuir a capacidade de adaptar todo esse conhecimento à realidade de cada projeto. 

Ao fazer essa adaptação copiaremos autores, professores, outros gerentes, mas é necessário que essa cópia seja original, no sentido de obedecer às peculiaridades de cada situação.

 

Sobre o Autor:

Carlos Magno da Silva Xavier (Doutor, PMP) magno@beware.com.br

Carlos Magno da Silva Xavier foi eleito, em 2010, uma das cinco personalidades brasileiras da década na área de gerenciamento de projetos.

É Doutor em Administração de Empresas pela Universidad Nacional de Rosário – Argentina (Título validado pela UFRJ) e Mestre em Sistemas e Computação pelo Instituto Militar de Engenharia;

  • Capitão-de-Mar-e-Guerra da reserva da Marinha do Brasil e Sócio-Diretor da Beware Consultoria e Treinamento. Sua experiência profissional, de mais de vinte anos, inclui a consultoria para várias Organizações (TIM, BRF, Eletronuclear, BR Distribuidora, Eletropaulo, Marinha do Brasil, Iguatemi, Emgepron, SESC-Rio, Prudential, Petrobras e outras);
  • Autor/coautor de vinte e três (23) livros, dentre eles “Metodologia de Gerenciamento de Projetos – Methodware®” – eleito em 2010 o melhor livro brasileiro da década na área de gerenciamento de projetos;
  • Certificado “Project Management Professional” (PMP) pelo Project Management Institute (PMI) e professor convidado de MBAs da Fundação Getúlio Vargas e PUC-RS. A sua tese de doutorado, “As Balas de Prata no Gerenciamento de Projetos”, recebeu o prêmio de “Projeto Acadêmico do Ano de 2014”, durante o 9º Congresso Brasileiro de Gerenciamento de Projetos.

 

Fontes:

[1] Heráclito de Éfeso (datas aproximadas: 540 a.C. - 470 a.C. em Éfeso, na Jônia) foi um filósofo pré-socrático, recebeu o cognome de "pai da dialética"

[2] Segundo o Dicionário de Português de Aurélio Buarque de Holanda, maturidade é o estado em que está plenamente desenvolvido; perfeição; excelência; primor; época desse desenvolvimento.

[3] Certificação emitida pelo Project Management Institute (PMI).

[4] Charles Darwin (1809-1882), inglês naturalista e autor da Teoria da Evolução.

[5] O Monge e o Executivo - Uma História Sobre a Essência da Liderança. James C. Hunter Editora Sextante

[6] Escritor norte-americano, especialista em comunicação, autor de vários livros, entre eles, “Como fazer amigos e influenciar pessoas”

[7] Mahatma Gandhi foi um dos idealizadores e fundadores do moderno estado indiano.

[8] Cardoso, Fernando (1980) A originalidade da Cópia: a CEPAL e a idéia de desenvolvimento. In: As idéias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do desenvolvimento, cap. 1, p. 17-56

[9] www.eclac.cl/noticias/discursos/8/10138/discursoCardoso090502.pdf.

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