As Balas de Prata no Gerenciamento de Projetos
Carlos Magno da S. Xavier (D. Sc., PMP)
Sócio Diretor do Grupo Beware - Consultoria e Treinamento em Gerenciamento de Processos, Projetos, Programas e Portfólio
Resumo - A metáfora “bala de prata” se aplica a qualquer ação que tem uma extrema eficácia na solução de um problema. Existem centenas de publicações indicando o que fazer durante o gerenciamento de um projeto, levando os gestores a terem dificuldades em determinar o foco do seu trabalho e de sua equipe. Uma das consequências é a alta frequência com que os projetos não alcançam os seus objetivos. O autor, para a sua tese de doutorado, realizou uma pesquisa, com 202 projetos no Brasil, para verificar a utilização de 106 práticas, nas dimensões Processo, Organização, Pessoas e Tecnologia, e sua relação com o sucesso do projeto. Essa tese, em premiação organizada pela Revista Mundo PM, foi escolhida o “Projeto Acadêmico do Ano de 2014”. Este artigo pretende apontar as principais conclusões desse trabalho, como por exemplo: a) trinta e quatro (34) práticas foram correlacionadas aos ótimos resultados ou de prazo, ou de custo ou para o negócio; e b) os resultados foram predominantemente influenciados pelo gerenciamento de “Riscos” e de “Pessoas” (Conhecimentos, Habilidades e Atitudes dos stakeholders em relação ao projeto).
Palavras-chave: Gerenciamento de Projetos, Resultados, Sucesso, Práticas.
I Introdução
Vivemos em um mercado cada vez mais globalizado e competitivo, o que tem levado as Organizações a viverem em permanente estado de mudança. Projetos são utilizados para viabilizar essas mudanças. No Brasil, dos 4,838 trilhões de reais do Produto Interno Bruto (PIB) de 2013, cerca de 890 bilhões de reais foram aplicados na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o que dá uma taxa de investimento (FBCF/PIB) de 18,4%. Este indicador mede o quanto as empresas aumentaram os seus bens de capital, ou seja, aqueles bens que servem para produzir outros bens. São basicamente máquinas, equipamentos e material de construção, o que consiste quase que inteiramente em projetos de investimento. Por esta e outras razões que o profissional de gerenciamento de projetos vem se valorizando no mercado. Um exemplo pôde ser visto em artigo da revista Veja 2.270 de 23 de maio de 2012, acerca de Mercado de Trabalho, em que o conhecimento em Gestão de Projetos foi apontado, em pesquisa com setenta líderes entrevistados no Brasil, como uma das oito características do profissional mais cobiçado do mercado.
Porém, as Organizações não têm obtido os resultados esperados. Durante pesquisa de maturidade em gerenciamento de projetos, realizada no Brasil em 2013 pelas seções regionais do PMI (Project Management Institute), 38% das Organizações relataram que na maioria das vezes ou sempre é a frequência em que elas não alcançam os objetivos de tempo, custo, qualidade e satisfação do cliente em seus projetos.
Esse cenário mostra que, se por um lado existe a valorização do gerenciamento de projetos no Brasil, com as Organizações canalizando recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento de habilidades nessa área, por outro lado elas não têm obtido os resultados esperados.
Devemos atuar então de forma objetiva no desenvolvimento de uma maturidade em gerenciamento de projetos. Para isso devemos identificar os fatores, ou seja, os elementos de um projeto que podem ser influenciados para aumentar a probabilidade de seu sucesso. Este artigo pretende citar as práticas que concorrem ou contribuem para o sucesso do gerenciamento de um projeto.
II As dimensões do Gerenciamento de Projetos
SILVEIRA (2008) realizou estudo em 360 Organizações brasileiras cujos resultados permitiram concluir que os principais fatores contribuintes que podem impulsionar o gerenciamento de projetos nas organizações brasileiras estão associados à: Processos; Tecnologia; Pessoas; e Organização, conforme ilustra a figura 1.
Figura 1 – Categorias de Causas (Dimensões) para o Sucesso de projetos
Fonte: próprio autor
Processo
O gerenciamento de projetos é formado por um conjunto de processos, que de forma organizada são agrupados em uma metodologia de gerenciamento de projetos. O Guia PMBOK® (PMI, 2013) sugere que o gerenciamento de projetos seja feito com 47 processos e 10 áreas de conhecimento (Integração, Escopo, Prazo, Custo, Qualidade, Comunicação, Risco, Recursos Humanos, Stakeholders e Aquisições). É importante ressaltar que, para CHAPMAN (2006), o que o Guia PMBOK® descreve como “boas práticas” (o que deve ser feito) na realidade são “práticas comuns” (o que tem sido feito).
Tecnologia
As organizações utilizam tecnologia para automatizar parte de seus processos, dando suporte ao gerenciamento e permitindo a tomada de decisões.
Pessoas
A essência do gerenciamento de projetos consiste no trabalho de pessoas (gerentes de projeto, patrocinadores, clientes, fornecedores, equipe etc.). Silveira define esta dimensão como sendo os recursos especializados com conhecimento, habilidades e atitudes, ao se trabalhar como uma equipe, e que conduzem e contribuem para o projeto atingir, com sucesso, o resultado.
Organização
Esta dimensão consiste na forma como a organização está estruturada para tocar os seus projetos. Nesta dimensão, também segundo Silveira, devem ser observados os fatores cultura, estrutura organizacional, escritório de projetos e patrocínio executivo. O fator Cultura apresenta os valores e princípios que podem servir como base para um gerenciamento de projetos maduros nas organizações. O fator Estrutura Organizacional apresenta as diversas modalidades à luz das atribuições, responsabilidades, autoridades, poder, normas e procedimentos em busca da maturidade organizacional. O fator Escritório de Projetos apresenta essa unidade organizacional, seu papel e responsabilidades dentro da estratégia corporativa, para refletir a maturidade. O fator Patrocínio Executivo apresenta esse papel nas organizações no suporte político e ativo em projetos durante o ciclo de vida.
III As Balas de Prata no Gerenciamento de Projetos
A metáfora “bala de prata” se aplica a qualquer ação que terá uma extrema eficácia na solução de um problema. A questão é que temos de utilizar a “bala” correta e ter boa pontaria de forma a não desperdiçarmos os recursos da Organização.
A análise das respostas da pesquisa realizada pelo autor (XAVIER, 2014), disponível em http://www.beware.com.br/arquivos/as-balas-de-prata-no-gerenciamento-de-projetos-tese-doutorado-carlos-magno-da-silva-xavier-2014.pdf, apontou as seguintes conclusões principais:
a) Nos projetos pesquisados, foi de médio a baixo o nível de aplicação de práticas de gerenciamento de projetos. Ressalta-se que em vários casos o percentual de não utilização da prática foi de cerca de 60% dos projetos, chegando a quase 90% em alguns deles. Como existe uma vasta literatura acerca do assunto, conclui-se que é necessária uma melhor disseminação dessas práticas. Algumas constatações foram:
i. O fato de quase 40% dos projetos não terem tido uma análise de viabilidade mostra que muitas Organizações autorizam o início de projetos sem verificar de antemão se vale à pena o investimento que será realizado.
ii. Somente 30% dos projetos controlaram formalmente as mudanças no projeto. Aliado ao fato de cerca de 20% dos projetos não terem uma descrição formal do seu escopo e de quase 50% não apresentarem a descrição das entregas, mostra que existe muito a melhorar em relação à definição do escopo de projetos.
iii. Há pouca utilização de informações históricas, assim como do calendário e do nivelamento de recursos. Levanta-se a hipótese de que não sejam confiáveis as estimativas utilizadas para a medição de sucesso em projetos, fazendo com que não tenha sentido o uso das mesmas nos indicadores de desempenho. Isso é corroborado com a constatação de que somente cerca de 40% dos projetos documentam as lições aprendidas.
iv. As reuniões são mais utilizadas (80%) do que os relatórios de desempenho (60%) para o acompanhamento dos projetos. Isso comprova a utilização das reuniões como instrumento de relato de desempenho dos projetos, fazendo com que fiquem mais demoradas e menos objetivas.
v. A constatação de que em cerca de 40% dos projetos as suas Organizações não possuem uma metodologia formal para o gerenciamento de projetos, e em cerca de 60% elas não proporcionam uma estrutura adequada para o gerenciamento de projetos, como, por exemplo, não realizando capacitações em gerenciamento de projetos e não possuindo escritório de projetos, indica haver uma oportunidade de melhoria da maturidade do gerenciamento pela sistematização, de forma corporativa ou setorial, do gerenciamento de projetos.
vi. É preocupante a constatação de que em 25% dos projetos o cliente não estava comprometido com o projeto, em quase 80% dos projetos, a equipe não estava comprometida, e em cerca de 40% dos projetos não houve colaboração, suporte ou um bom relacionamento da equipe com o cliente. Conclui-se pela necessidade de melhorar o gerenciamento dos stakeholders do projeto.
b) As principais conclusões em relação aos resultados alcançados foram:
i. Somente 26% dos projetos pesquisados tiveram um desvio de prazo de até 5% do previsto, enquanto somente cerca de 40% dos projetos tiveram uma boa previsibilidade de custos. Mais de 40% dos projetos tiveram um desvio acima de 25% tanto de prazo como de custo. Conclui-se que não houve uma boa previsibilidade de prazo e custo desses projetos.
ii. Cerca de 80% dos projetos entregaram mais de 90% dos produtos e serviços previstos no escopo. Conclui-se que os projetos priorizaram o atendimento do escopo em detrimento de prazo e custo.
iii. Uma pequena parcela dos respondentes avaliou que seus clientes ficaram insatisfeitos com o gerenciamento do projeto, com obtenção de notas entre 0 e 7 para 16,7% da amostra. Levanta-se a hipótese de que a satisfação do cliente não está diretamente relacionada aos resultados de prazo ou custo, que tiveram, respectivamente, como resultados ruins os percentuais de 38,7% e 37%.
iv. Cerca de 30% dos projetos com resultados avaliados não atenderam totalmente aos objetivos estabelecidos para o negócio, com 73,5% dos projetos tendo êxito no resultado ou de prazo, ou de custo ou para o negócio. Conclui-se que existe um taxa de insucesso de cerca de 30% dos projetos pesquisados.
c) Das cento e seis (106) práticas pesquisadas:
i. Nove (9) práticas foram relacionadas com o resultado ótimo de prazo, sendo quatro (4) da dimensão Processo (duas da dimensão tempo, uma de comunicação, uma de risco), uma (1) da dimensão Organização, três (3) da dimensão Pessoas e uma (1) da dimensão Tecnologia, conforme ilustrado na Figura 2.
Figura 2 – Práticas relacionadas ao resultado ótimo de prazo
Fonte: próprio autor
ii. Cinco (5) práticas foram associadas ao resultado ótimo de custo, sendo quatro (4) da dimensão Processos (uma de integração, uma de escopo, uma de tempo e uma de aquisições) e uma da dimensão Pessoas, conforme ilustrado na Figura 3.
Figura 3 – Práticas relacionadas ao resultado ótimo de custo
Fonte: próprio autor
iii. Vinte e cinco (25) ao resultado ótimo para o negócio, sendo dezesseis (16) da dimensão Processos (uma de integração, seis de tempo, uma de RH, seis de risco, duas de aquisição), duas (2) da dimensão Organização e sete (7) da dimensão Pessoas, conforme ilustrado na Figura 4.
Figura 4 – Práticas relacionadas ao resultado ótimo para o negócio
Fonte: próprio autor
iv. Totalizaram trinta e quatro (34) as correlacionadas aos ótimos resultados ou de prazo, ou de custo ou para o negócio. Foram vinte e duas (22) da dimensão Processo (duas de Integração, uma de Escopo, oito de Tempo, uma de Comunicações, uma de RH, seis de Riscos e três de Aquisições), duas (2) da dimensão Organização, nove (9) da dimensão Pessoas e uma (1) da dimensão Tecnologia, conforme ilustrado na Figura 5.
Figura 5 – Práticas relacionadas aos ótimos resultados ou de prazo ou de custo ou para o negócio
Fonte: próprio autor
v. Nenhuma prática foi relacionada a todos os resultados ótimos de prazo, custo e para o negócio, e somente cinco práticas foram relacionadas a dois resultados ótimos. Conclui-se que não existe uma prática isolada que esteja relacionada ao sucesso de um projeto, e que as práticas de gerenciamento de tempo e risco, assim como da dimensão pessoas (conhecimentos, habilidades e atitudes dos stakeholders em relação ao projeto), foram as que mais foram relacionadas aos resultados ótimos.
vi. Das trinta e quatro (34) práticas associadas aos ótimos resultados ou de prazo ou de custo ou para o negócio, dezoito (listadas no Quadro.1) estiveram presentes em menos de 50% dos projetos. Conclui-se que existe a possibilidade de ganho rápido pela aplicação dessas práticas em projetos. Pela experiência do autor, quatro dessas práticas (método da cadeia crítica, técnica do valor agregado, análise quantitativa de riscos e ferramenta informatizada de gerenciamento de riscos para calcular os resultados da análise quantitativa), demandarão um esforço maior em razão de serem mais complexas e haver poucas pessoas que dominem esses assuntos no mercado. Por esta razão, a relação custo-benefício será melhor se essas práticas forem aplicadas em projetos de maior complexidade e valor envolvido.
Quadro 1 – Práticas utilizadas em menos de 50% dos projetos e associadas aos ótimos resultados ou de prazo ou de custo ou para o negócio
Fonte: próprio autor
d) A análise das relações entre grupos de práticas de gerenciamento de projetos e os resultados obtidos apontou que, tanto o resultado de prazo como o de atendimento aos objetivos do negócio foram predominantemente influenciados pelas práticas de gerenciamento de “Riscos” e pela dimensão “Pessoas”. Já o resultado de custo teve uma correlação forte com a dimensão “Pessoas”. Conclui-se que se o foco do projeto for o resultado de prazo ou para o negócio, deve-se priorizar o investimento no gerenciamento de riscos e nos conhecimentos e habilidades do gerente do projeto, assim como influenciar as atitudes dos executivos, clientes, equipe e colaboradores do projeto, sendo a prioridade também “Pessoas” se o foco do projeto for cumprimento de custo. Quando foi analisada a correlação entre grupos de práticas e os resultados ótimos ou de prazo ou de custo ou para o negócio, foi demonstrado que, além de “Riscos” e “Pessoas”, o fator referente ao Gerenciamento de “Tempo, Escopo e Integração” influenciaram significativamente os resultados. A figura 6 representa essa correlação.
Figura 6 – Grupos de práticas relacionados aos ótimos resultados do projeto
Fonte: próprio autor
IV Conclusão
Vimos neste artigo que o gerenciamento de projetos é um conhecimento que tem sido demandado cada vez com mais intensidade. Porém, precisamos identificar quais as práticas que realmente contribuem para o sucesso no gerenciamento de um projeto, de forma a focar nossos esforços. Esses fatores, que levam à maturidade do gerenciamento de projetos, são referentes a processo, tecnologia, pessoas e organização. Um dos resultados apontado por pesquisa realizada pelos autores foi que o sucesso do projeto é altamente influenciado pelas práticas de gerenciamento de riscos e pela dimensão “Pessoas” (Conhecimentos, Habilidades e Atitudes dos stakeholders em relação ao projeto).
Referências
CHAPMAN, C. Key points of contention in framing assumptions for risk and uncertainty management. International Journal of Project Management, 24(4), 303-313, 2006.
PMI – Project Management Institute (Editor). A Guide to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK®). USA: PMI, 2013.
PRICEWATERHOUSECOOPERS. Boosting business performance through programme and project management. USA.PWC, 2004.
SILVEIRA, Gutenberg de Araújo. Fatores Contribuintes para a Maturidade em Gerenciamento de Projetos: Um Estudo em Empresas Brasileiras – Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo – São Paulo, 2008.
XAVIER, Carlos Magno da Silva. As Balas de Prata no Gerenciamento de Projetos – Tese (Doutorado) – Universidad Nacional de Rosário – Argentina, 2014.
Sobre o Autor:
Carlos Magno da Silva Xavier magno@beware.com.br
Carlos Magno da Silva Xavier foi eleito, em 2010, uma das cinco personalidades brasileiras da década na área de gerenciamento de projetos. É Doutor em administração de empresas pela Universidad Nacional de Rosário (Argentina), Capitão-de-Mar-e-Guerra da reserva da Marinha do Brasil e Sócio-Diretor do Grupo Beware. É consultor de diversas organizações, tais como TIM, Eletronuclear, BR Distribuidora, Eletropaulo, Marinha do Brasil, Iguatemi, SESC-Rio, Petrobras e outras. É autor/coautor de treze (13) livros, dentre eles “Metodologia de Gerenciamento de Projetos – Methodware” – eleito em 2010 o melhor livro brasileiro da década na área de gerenciamento de projetos. É certificado “Project Management Professional” (PMP) pelo Project Management Institute (PMI) e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas desde 2000.
> Conhecer Os Serviços da Beware.
PIB em 2013. Fonte: IBGE
Fonte: http://www.pmsurvey.org/
Segundo a enciclopédia Wikipédia, a expressão “bala de prata” (silver bullet) tem origem no folclore. Tradicionalmente, a bala de prata é a única que tem eficácia contra o lobisomem. http://en.wikipedia.org/wiki/Silver_bullet